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O DIREITO DE FAMÍLIA E A PROTEÇÃO JURÍDICA À CRIANÇA COM O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA:


A preocupação com a efetivação dos direitos para proteger a criança com o diagnóstico do transtorno do espectro autista constitui tema de crescente debate entre juristas, acadêmicos, médicos, psicólogos e demais membros da equipe interdisciplinar.

A família é a principal esfera da vida cotidiana, por meio dela as pessoas suprem as primeiras e principais necessidades, sejam as de acolhimento; de afeto e de cuidado; sejam as de atenção e de recolhimento, constituindo indivíduos enquanto pessoas e gradativamente possibilitando mediante intermediação, a participação na vida social e na dinâmica cultural.

No entanto, quando uma criança nasce com algum tipo de deficiência tais circunstâncias podem proporcionar crise familiar, limitar esperanças e sonhos relativos ao filho idealizado, o fato é que muitos pais não se encontram preparados para terem filhos com necessidades desconhecidas, já que a parentalidade os lança numa relação permanente com um estranho, e quanto mais alheio o estranho, mais forte a sensação de negatividade.

Sendo assim, as deficiências podem atingir o orgulho desses pais e suas necessidades concernentes à privacidade, pois o pensamento inicial do que “os outros” irão falar e irão pensar, sobre esta criança que foi idealizada de outra maneira. Obstáculos aparecem nesse cenário, quais sejam: as ilusões; a culpa; o escapismo; o luto; o abuso dentro do relacionamento, as brigas, os desentendimentos e na maioria das vezes o fim do matrimônio.

O filósofo Hans Jonas (2015) afirmou na obra “O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica” que o ser humano tem caráter precário, vulnerável, revogável, um modo peculiar de transitoriedade, que por si só o torna objeto de proteção. Nesse sentido, o conceito de responsabilidade implica em um “dever”, primeiramente um “dever ser” de algo, e posteriormente um “dever fazer” de alguém como resposta àquele deve ser. A criança traz um “dever” irrefutável ao entorno social, o de cuidar dela. Esse “dever” é “irrefutável” e não “irresistível”, pois o apelo infantil pode ser ignorado ou abafado por outros apelos, a exemplo do abandono legal de crianças com o transtorno do espectro autista.

Atualmente encontramos variadas discussões científicas, médicas, biológicas e doutrinárias sobre as características e terminologia a serem empregadas ao transtorno do espectro autista, contudo, apenas com o advento da Lei n° 12.764, de 27 de dezembro de 2012, é instituída uma Política nacional de proteção aos direitos da pessoa com autismo (BRASIL, 2012). Com a Lei Berenice Piana à luz do artigo 1º, parágrafo segundo, a pessoa com TEA foi considerada deficiente, sendo enquadrada no conceito descrito pela Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (ONU, 2006). Dessa forma, garantiram-se direitos essenciais à vida, tais como: à educação, à moradia, ao mercado de trabalho, à dignidade humana, ao respeito, à liberdade, à acessibilidade, à igualdade, à solidariedade e à afetividade (BRASIL, 2012).

As crianças que vivenciam o transtorno do espectro autista passou a contar com duas Convenções internacionais de grande importância, a Convenção dos direitos da criança (1989) e a Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência (2006), bem como com a Lei n° 12.764, de 27 de Dezembro de 2012, que considerou a pessoa com o Transtorno do Espectro Autista como aquela com síndrome clínica caracterizada por: a) deficiência persistente e significativa na comunicação, na interação social, na comunicação verbal e não verbal, com ausência da reciprocidade social e falência relativa ao desenvolvimento e a manutenção das relações apropriadas ao nível desenvolvimental; b) padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses e atividades, com comportamentos motores ou verbais estereotipados ou sensoriais incomuns, excessiva aderência a rotinas e comportamentos ritualizados (BRASIL, 2012).

Conhecer melhor as transformações ocorridas nas famílias onde existem crianças diagnosticadas com TEA, interessa e impacta tanto do ponto de vista das questões jurídicas, como também nas questões políticas da área. A partir da Constituição da República Federativa do Brasil, familiares foram reconhecidos como sujeitos de direitos. Peculiaridades e individualidades tornaram-se juridicamente asseguradas pelo princípio da dignidade humana. Tal princípio dialoga com o da universalidade, revelando uma tessitura constitucional construída na perspectiva dos Direitos Humanos.

Relativamente ao Direito da Criança e do Adolescente, a Carta Magna assimilou a versão final da Convenção dos Direitos das Crianças (CDC), publicada no ano seguinte (ONU, 1989). Crianças transformam-se em beneficiárias e destinatárias da doutrina de proteção integral, redefinindo se conceitos (BRASIL, 1988). Ademais, o contexto familiar enseja ser compreendido através da história de cada ambiente. A alteridade, o risco e a proteção jurídica constituem elementos que perpassam o desenvolvimento humano e a saúde infanto-juvenil. Tal discussão mostra-se oportuna, uma vez que a família é nicho de cultura coletiva, interligando valores e reações que integram o desenvolvimento individual da criança.

A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil Ensejou uma releitura do Direito das famílias, privilegiando a dignidade humana e os direitos sociais e a isonomia ou igualdade, tal princípio foi descrito no artigo 5°, caput, da Constituição Federal.

Esses Princípios acima transcritos, são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. São mandamentos caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados, não dependendo somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.

Assim sendo, podemos afirmar que os novos princípios promoveram uma releitura de um direito das famílias anteriormente engessado e hierarquizado, uma vez que a família contemporânea vivencia a emancipação de seus componentes, disputando espaços próprios de crescimento e de realização de personalidades.

Diante dos novos princípios do Direito das famílias e dos novos comportamentos da família contemporânea, o olhar para a criança diagnosticada com TEA, deve ser o olhar de cuidado, amparo, inclusão, respeito e amor. E não, o olhar do desprezo, abandono e da negação.

As relações matrimoniais podem chegar ao fim, mas acima de qualquer outra coisa deverá prevalecer a qualquer tempo, o agir parental, ensejando a responsabilidade pelo bem-estar do filho, respeitando sua desorganização sensorial, trazida pelo espectro, compartilhando e compreendendo a rotina em que esta criança encontra-se mergulhada, e mais ainda, se adaptando ao quadro geral do filho, e não obrigar o filho a se adaptar a uma outra realidade, que lhe cause crises e mais desorganizações. Existe um dever humano contido, uma faculdade do sujeito capaz de casualidades que implicam em obrigações objetivas, mediante o “manto” da responsabilidade externa.

O despertar do amor possibilita a ampliação da responsabilidade parental, pelo receio quanto ao futuro daquele que é digno de existir e que é amado, independente da sua deficiência.

Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente possibilitou a consagração dos princípios de proteção integral, da primazia e do superior interesse. O “status” de sujeitos de direitos conferiu o direito à saúde, à vida, à educação, à liberdade, à solidariedade e à igualdade. Cabe a família, ao Estado e a sociedade, o dever de assegurá-los, em respeito ao princípio constitucional da dignidade Humana.

Uma sociedade democrática objetiva a formação de indivíduos responsáveis, contudo, ainda há predominantemente nesta moderna sociedade, grandes estigmas para com as crianças com TEA, isso precisa mudar, precisamos elaborar a reconstrução do tecido social em rede; a prática da solidariedade; a alteridade e o agir comunicativo, para a efetiva inclusão das crianças com o transtorno do espectro autista.

Janaína Gonçalves Garbelotti

OAB/SP: 411.173

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